segunda-feira, 4 de julho de 2011

Murilo Ferreira: Segurança alimentar e o projeto nacional

Sabe-se que os países “emergentes”, entre eles Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul, os chamados BRICS, vêm apresentando taxas médias de crescimento econômico acima da média mundial por um bom período, desde pelo menos o início deste século, o que vem invertendo uma tendência inexorável do sistema capitalista, desvirtuando o eixo de desenvolvimento mundial do centro para a periferia.

Completando esse quadro os países capitalistas centrais e as nações com alto grau de dependência a eles, como Estados periféricos da Europa, desde 2007 estão enfrentando uma forte crise econômica, tendo como centro as finanças, especialmente as finanças públicas, mas que afeta a produção, o emprego e a renda. Em termos mais gerais passam ainda por grandes dificuldades os EUA, a Zona do EURO e o Japão. Como diz Delfin Neto: “A crise de 2007/09, que atingiu o sistema financeiro e interrompeu o “circuito econômico”, já custou mais de 5% do PIB mundial e deixou desempregados mais de 30 milhões de homens honestos trabalhadores” (Valor, 28/06/11).

Ao se debater e ver o chão tremer ante abalos catastróficos no reino das finanças, o chamado mundo rico assiste inerte a um brutal deslocamento do dinamismo econômico planetário para regiões além do seu “quintal”, onde se vê erguer uma robusta e vigorosa plataforma industrial sobre uma base imensa de força de trabalhado a baixo custo - vide China e Índia. Esse processo já havia começado nas duas décadas finais do século passado, onde contribuiu para inundar o mundo de mercadorias e especialmente satisfazendo o elevado grau de consumismo estadunidense. Contudo, fruto do processo de desenvolvimento desigual entre as nações, enquanto os países ricos mergulharam numa profunda crise os emergentes se relançaram em condições mais favoráveis para interferir a seu favor no jogo da política e economia internacional, como prova o peso que o G20 – as 20 nações mais desenvolvidas - passou a desempenhar.

É uma janela de oportunidades para diversas nações encontrarem um via de desenvolvimento autônomo, independente e soberano e que superem os diversos entraves e óbices a cada projeto de desenvolvimento nacional, bem como se livrarem das imposições e condicionamentos feitos pelo antigo G7 - o grupo das sete maiores economias – com a finalidade de se evitar o aparecimento de novas potências ou concorrentes e que procuram criar toda sorte de mecanismos para limitar ou coibir a expansão e prosperidade dos países periféricos, como já ocorreu em diferentes épocas históricas.

Tudo isso vem mudando a vida dos países, e das pessoas também. Além dos BRICS, muitas outras nações apresentaram um ritmo elevado de crescimento, tanto na Ásia, na América Latina e Central, como também na África. Todos juntos, somados às super populosas China e Índia, dão a idéia de fenômenos contundentes e desafiadores, colocando em outro patamar a luta dos povos e nações contra as políticas do imperialismo, mais precisamente a doutrina neoliberal, possibilitando o surgimento de alternativas democráticas e populares e que podem pavimentar um novo caminho - ou caminhos - em direção ao socialismo.

O crescimento fora de lugar do capitalismo tem gerado conseqüências na participação relativa do PIB mundial nos últimos anos entre os emergentes e os países ricos, com nítida elevação da participação dos primeiros em detrimento dos segundos. Além do crescimento econômico, com todas as suas implicações na queda das taxas de desemprego entre os periféricos e crescimento da massa salarial, acrescentam-se as políticas de distribuição de renda que ocorrem, entre outros, como no Brasil, que “desde 2003 um total de 50 milhões de pessoas – mais que uma Espanha – se juntaram ao mercado consumidor” (Marcelo Neri, Valor:28/06/11). O resultado tem sido um grande impulso global do consumo entre os mais pobres, diferente do padrão da década de 1990, onde apenas os ricos, precisamente os consumidores estadunidenses, se esbaldavam num consumismo irracional e desenfreado.

O padrão diferenciado do consumo mundial tem gerado também uma elevação mais do que óbvia da demanda por gêneros alimentícios, por isso a tendência às pressões inflacionárias entre as commodities agrícolas. Não somente isso, mas a crise financeira dos países centrais - com medidas como as tomadas pelos EUA de grande expansão da base monetária para estimular sua economia a sair da crise – tem criado uma bolha especulativa em torno daquelas mesmas commodities, o que também contribui para a forte valorização delas no mercado mundial. Para agravar mais ainda o quadro, 40% da produção estadunidense de milho é destinada à produção de Etanol; e no Brasil, segundo maior produtor de soja, 10% desta é destinada à produção de biodiesel (Luiz Lourenço, Valor: 28/0611).

Essas pressões têm impactado os seis primeiros meses do governo Dilma, que acabou por adotar fortes medidas de contenção do consumo, como limitações ao crédito e, principalmente, elevação da taxa básica de juro, que no último período do governo Lula estava em 8,75% e agora se encontra em 12,25%, uma das maiores do mundo. Outro problema para o Brasil tem sido a valorização da taxa de câmbio, o que prejudica a indústria nacional frente à maior competitividade da indústria estrangeira, dentre elas a chinesa, que nos tem trago motivo de muita preocupação, pois efetiva-se cada vez mais uma relação de troca desigual entre os dois países, onde, basicamente, exportarmos commodities agrícolas e minerais e importamos bens industrializados e de alto valor agregado. Muitos analistas defendem que o Brasil está se desindustrializando.

É fácil observar porque a valorização excessiva do real acontece. Primeiro o convite à especulação de capitais estrangeiros para ganhos de arbitragem devido à elevada taxa de juros; segundo, melhorou muito os termos de troca do comércio exterior brasileiro, como se observa no comportamento dos preços das quatro commodities que representam um terço das nossas exportações: nos últimos 12 meses a soja subiu 32%; o petróleo 44%; o minério de ferro 46% e o café 77% (Valor: 28/06/11). E terceiro motivo, a forte entrada de Investimento Direto Estrangeiro (IED) em diversos ramos da produção no país por conta da estabilidade econômica e do crescimento sustentado dos últimos anos, mais precisamente na exploração do pré-sal e nas obras da Copa 2014 e Olimpíadas 2016.

Esses fatos demonstram o quanto as medidas liberalizadoras do câmbio e dos movimentos de capitais colocam em risco a estratégia de desenvolvimento nacional. Foram justamente a desregulamentação e a expansão desproporcional do sistema financeiro mundial as razões para uma das maiores crises do capitalismo, desde 1929. Não dá para se pensar em equilíbrios via mercado quando nossa indústria corre risco de afundar. O fato de estarmos com um saldo comercial confortável à base de exportação de commodities não justifica a leniência com relação à recuperação e à reestruturação do nosso parque industrial para um novo tempo que está surgindo, sob pena de se sacrificar o futuro da nação. Também não se pode culpar a agricultura pelo descaso das autoridades com o setor industrial. A agricultura brasileira segue seu caminho de expansão sem contar com qualquer coisa semelhante aos subsídios praticados pelos países desenvolvidos, mas sim pela sua eficiência e produtividade adquirida com muito esforço ao longo dos anos. Prova disso é a safra recorde de grãos que este ano deverá ser de 160 milhões de toneladas.

O problema do abastecimento e segurança alimentar do planeta somente será resolvido em duas direções óbvias, a primeira seria com ganhos de produtividade, e a segunda, abrindo-se novas áreas de plantio. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), o mundo precisará aumentar em 70% a produção de alimentos até 2050 para atender a uma população que deve chegar a 9 bilhões. A contribuição brasileira em termos de novas áreas para agricultura pode vir dos 220 milhões de hectares hoje ocupados com pastagens (Luiz loureiro, valor: 28/06/11). Apesar do imenso rebanho bovino brasileiro, que dá ao Brasil o título de maior exportador da carne bovina do mundo, a aplicação de técnicas modernas de manejo e uso do solo, como as que o país já domina, pode muito bem disponibilizar grande parte daquela área, o que nos permite afirmar que o Brasil pode, no mínimo, dobrar a área plantada em poucos anos sem abater uma árvore sequer. Outro movimento é o de ganhos de produtividade associados á adoção de novas tecnologias desenvolvidas por centros de excelência em pesquisa agropecuária, como a EMBRAPA e diversas Universidades Brasileiras.

O esforço brasileiro de reformar o Código Florestal para equilibrar produção e proteção ambiental tem sido um exemplo para o mundo. Podemos estar criando um modelo de economia agrícola que seja capaz de convergir as necessidades crescentes de gêneros alimentícios para um sistema produtivo sustentável ambientalmente. As áreas de Reserva Legal em unidades particulares é uma criação brasileira. Para a região amazônica ela será de 80% da propriedade; para áreas do cerrado será de35%; e para o restante do país de 20%.

Observamos que o Brasil passa por um momento extraordinário em sua história, mas um momento de fortes decisões. Foi-se o tempo em que havia dois centros de comando e gestão da política e da economia do país, onde um localizava-se em Washington, através do FMI, e o outro, de soberania limitada, em Brasília. Hoje conquistamos o direito inalienável de decidir sobre o nosso próprio futuro e não serão as pressões de grandes potências que influenciarão as decisões do nosso modo de viver, trabalhar e produzir. O Brasil não deve nada a ninguém em termos ambientais, pelo menos não mais que a imensa maioria das nações ditas desenvolvidas ou emergentes. Todas elas estão atrás do Brasil no quesito proteção às florestas.

Dessa forma o problema ambiental no mundo diz respeito ao Brasil sim, mas não somente, e não será sacrificando o nosso desenvolvimento que haveremos de salvar o planeta da “catástrofe eminente”, enquanto a Europa “civilizada” e a potência estadunidense se safam de suas responsabilidades - justamente eles os que mais poluem o globo - e também eles que financiam ONGs aqui no Brasil para tentar imprimir um Código Florestal draconiano e insustentável do ponto de vistas dos interesses nacionais.

Murilo Ferreira é professor de Economia Rural, diretor do Sinpro e da CTB Minas

Publicado no Portal http://www.vermelho.org.br/mg em 2 de Julho de 2011

http://www.vermelho.org.br/mg/noticia.php?id_noticia=157795&id_secao=76

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