sábado, 27 de agosto de 2011

Murilo Ferreira: A dinâmica do partido comunista

O partido comunista é uma organização de combate ao capitalismo. É comunista pelo que tem de conteúdo concreto, ou seja, seu elemento estruturante, o proletariado, mas o proletariado consciente de sua situação de classe - “classe para si” – É comunista pelo que tem também de conteúdo abstrato, isto é, seu conjunto de idéias - ideologia, política, cultura e prática - mais precisamente seu pensamento tático e estratégico ou sua práxis.

Uma práxis revolucionária, transformadora, que caminha para um ponto chave de ruptura com o sistema do capital e que se direciona, com firmeza estratégica, para a construção de um mundo novo, o mundo do socialismo.

Essa organização pretende crescer e conquistar o poder, pois pouco ou nada de seu pensamento poderá se materializar se ele se encontrar em outras mãos. E conquistá-lo é uma condição primeira para qualquer organização partidária realizar o seu conteúdo ideológico. Esse processo não é nada fácil, é uma luta em si, pois leva não somente a uma substituição de um partido pelo outro, mas a derrota de uma classe, a burguesia – que há 400 anos exerce o seu domínio - e a vitória de outra, o proletariado - que pouca experiência teve com o exercício do poder - portanto, é uma luta de classes.

Crescer e conquistar o poder constitui um só processo, podendo ele ser ou não revolucionário. Uma organização pequena dificilmente poderá mobilizar energias e dar iniciativa e impulso às transformações; mas também por si só uma grande organização, mesmo que venha a conquistar o poder, também não é garantia de que se terá iniciado uma nova fase revolucionária. Então o decisivo é o processo de crescimento - é não se perder no meio do caminho - pois uma vez que no processo de crescimento vai-se perdendo substância revolucionária, isto é, “esvaziando-se” a ideologia, acaba ocorrendo uma transfiguração para outro tipo de organização, certamente não proletária e de conteúdo ideológico estranho ao socialismo.

A luta de classes pela conquista do poder é uma luta extremamente desigual e difícil. A classe dominante dispõe de instrumentos de repressão - a violência pura e simples - mas também de instrumentos ideológicos, que fazem com que as vítimas do próprio sistema acabem consentindo com sua própria condição. Então, como diz Gramsci, existem duas formas de domínio - a força e o consenso. Para a efetiva realização da produção capitalista é necessário que haja também um ambiente minimamente pacífico, isto é, que o processo de luta de classes não se degenere a tal ponto que se crie óbices à livre circulação e acumulação de capital. Então, a segunda forma, o exercício do poder através do consenso é a forma preferida da dominação do capital, sabendo-se que a burguesia, em última instância, jamais abrirá mão de lançar a mais perversa onda de violência contra quem quer que a ameace.

Dos regimes patrocinados pela burguesia - dentre eles o regime do terror e o regime democrático – o que nos interessa é o segundo. Não que o regime democrático vá além dos limites da dominação burguesa, mas porque simplesmente este regime nos permite mais liberdade de organização e condições melhores para fazer o debate político e teórico com a sociedade, forjando consciência revolucionária e substância para a transformação social. Não é a toa que a formulação marxista de que à medida que o capitalismo se desenvolve ele cria os seus próprios elementos de superação é absolutamente atual, pois se esse ambiente de relativa tranquilidade caracterizada por um amplo consenso ideológico de conteúdo liberal e mercadológico contribui para o desenvolvimento do capital, também contribui para o desenvolvimento do partido comunista, à medida que sob esse regime democrático, ao contrário do regime do terror, ele consiga realizar não somente a luta política partidária, mas também a luta de idéias.

Portanto, o regime democrático proporciona que o partido comunista possa realizar ações e intervenções em várias esferas da sociedade. Dizer que o partido comunista tem que se firmar entre os trabalhadores está dado desde 1848 quando Marx e Engels escreveram o Manifesto do Partido Comunista. Aliás, o partido é o próprio proletariado - em nada pode se distinguir dele - mas um proletariado diferenciado, isto é, enquanto “classe em si”. No próprio conceito de proletariado já está embutido essa caracterização, senão não seria proletariado, seria apenas uma massa atônita, desraigada e estéril na luta pelo socialismo, elemento até para engrossar as fileiras da classe dominante. Portanto, o proletariado é uma classe organizada, que é mesmo que o partido comunista. O partido comunista, por sua vez, não poderá ser outra coisa senão o próprio proletariado organizado, ambos absolutamente convictos do seu papel na história.

Mas nesse desafio de crescer está posto a necessidade de enfrentar a luta em diversas esferas da sociedade. E mais do que isso, de se inteirar do que é mais atual em política e em economia, isto é, da atualidade da luta de classes e do curso real dos acontecimentos, como se move o capitalismo, o mundo, as nações, as diversas sociedades e suas classes e frações de classe, enfim, do movimento dialético da história. Um partido comunista deve saber fazer esse estudo, adquirindo consciência e sabedoria do momento presente e do que pode vir a ser o futuro imediato, vindo assim a formular a sua tática, que vem a ser o seu posicionamento político frente ao enquadramento mais geral - diversas forças políticas e a sociedade.

Hoje, ainda sob o efeito avassalador da derrota das experiências socialistas do século XX, a forma atualizada de dominação do capital é o neoliberalismo – livre circulação de capital, hegemonia do capital financeiro, desregulamentação, privatização e desnacionalização, enfim, um regime que tem como objetivo central destruir a soberania das nações e controlá-las ou dirigi-las a partir de um único centro de comando mundial, o centro do capital financeiro: EUA. Assim, a tática mais geral dos comunistas na atualidade é derrotar o sistema neoliberal e fazer vitorioso o Projeto Nacional de Desenvolvimento, haja vista que a luta pelo socialismo não está posta de maneira imediata.

Ainda citando Gramsci, que dizia ser preciso que o proletariado se lance a um processo de conquista da hegemonia política e cultural mesmo antes da conquista do poder. Assim esse trabalho de construção hegemônica aqui para nós tem se dado pela luta de posição, em contraposição à tática de “tomar” poder por uma grande movimentação. E nisso está o elemento chave que é o da disputa de consciência nas várias esferas sociais e até mesmo a disputa da consciência de um operário que seja. Cada posição ganha, cada “trincheira” conquistada, se somará ao final, num processo relativamente longo de acumulação de forças. Assim, a luta ideológica coloca-se no mesmo patamar de importância ao posicionamento tático partidário e da luta política imediata.

Não se trata de colocar a ideologia à frente da política, pois sabemos o quanto a luta política imediata é fundamental para inserir a organização partidária no curso real da história. Mas se trata de equilíbrio e interação dialética entre ambas as frentes, sem descuidar de nenhuma. O maior alerta é que nesse processo de conquista de hegemonia estamos obrigados a fazer concessões a outras classes aliadas na luta contra a hegemonia da burguesia financeira. Essas concessões e alianças são necessárias, pois esse tem sido o caminho para fazer o partido crescer e aumentar sua influência, como tem ocorrido. Acrescente-se a isso o processo de abertura partidária a quadros e elementos diferenciados da sociedade, com concepções e ideais também diferenciados. Portanto, é nesse quadro que temos que cuidar melhor do papel da consciência e da cultura como arma contra o pragmatismo.

Por outro lado, o reforço ideológico também não pode vir desacompanhado da compreensão tática e da sua função de inserção partidária no movimento real. O desafio é estabelecer uma estreita relação entre a luta política imediata e a consciência ideológica do socialismo, isto é, relação dialética entre tática e estratégia, sendo a tática a serviço da estratégia ou a luta política imediata a serviço do socialismo. Mas ainda assim a concepção ideológica do militante é o maior patrimônio partidário. Já as conquistas políticas imediatas, embora importantes para a luta cotidiana, podem se tornar efêmeras frente a um contexto adverso. A soma das posições partidárias mais a elevação geral do nível da consciência de seus militantes é o caminho mais próximo para o socialismo.

Murilo Ferreira é engenheiro agrônomo e mestre em Administração Rural e Desenvolvimento. É diretor do Sinpro e da CTB Minas.

Publicado no Portal www.vermelho.org.br seçao Minas Gerais em 25/08/11

http://www.vermelho.org.br/mg/noticia.php?id_noticia=162441&id_secao=76

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Murilo Ferreira: Dilma, a JK de Saia

O historiador e assessor sindical Sérgio Danilo Rocha conseguiu enfim me convencer de que a inflação é mesmo desagregadora de base social. Assim, o que teria mesmo derrotado o governo JK senão a inflação galopante? Ninguém duvida de seu audacioso e extraordinário Plano de Metas - superado na época somente pelos Planos Quinquenais da antiga URSS – que tinha como tripé de sustentação o capital Estatal, o capital nacional e o capital estrangeiro.

Apesar das críticas de endividamento excessivo externo o Plano de Metas relançou o Brasil - integração nacional, industrialização, infra estrutura e modernidade.

Ante essas conquistas e ante o cumprimento das metas o endividamento externo não obstruiu, mas ajudou a alavancar o país, pois ele não era o centro, mas estava sim associado, portanto, justificável no contexto do Brasil de década de 1950. E mais, o governo JK nos deu altivez, perspectiva e prosperidade, ao mesmo tempo em que rompeu com os controles e constrangimento impostos pelo FMI/imperialismo. Mas foi politicamente derrotado... E o que dizer do papel da inflação na derrota do governo centrista da Nova República e na pavimentação da vitória dos neoliberais em 1989? Sim, Sérgio Rocha tem razão, a inflação promoveu grandes estragos nacionais!

No governo Dilma, desde inicio, tem-se uma preocupação constante com o controle inflacionário, pois é o que vem garantindo a unidade de amplas forças políticas e a continuidade do projeto político de uma presidenta em início de mandato, caso contrário, não haveria dúvidas de que a direita faria bom uso político da escalada dos preços. Aliás, essa pode ser uma questão nevrálgica para a nova UDN, salvando-a do colapso e da fragmentação e alcançando organicidade, unidade e plataforma de combate a nosso governo.

Para nos nortear melhor, as contas do governo Dilma estão melhores do que o do governo Lula: a dívida líquida do setor público em junho de 2011 estava em 39,7% do PIB; a economia para cumprir a meta de superávit primário chega ao primeiro semestre a quase 80 bilhões de Reais, restando apenas cerca de 40 bilhões no segundo semestre para cumprir a meta anual de 117,9 bilhões - e com isso ter mais folga para realizar investimentos e obras sociais - além de a economia continuar a crescer sustentavelmente, em torne de 5% em termos anuais, o desemprego estar em baixa e o consumo e a renda da população continuar crescendo. Essa situação levou o FMI a afirmar que o país estaria com sintoma de superaquecimento, o que não acredito, mas que reflete o quanto o país em nada se parece com o país dos neoliberais.

Agora o governo lançou um programa que seria um resgate da boa tradição desenvolvimentista, isto é, a Política Industrial. Apesar daqueles que acham que são apenas medidas paliativas, acho sim que ele abre uma nova etapa do Projeto Nacional, que consolidará o papel da indústria nacional num ambiente de crise internacional e de fortes ameaças, e que vem, basicamente, de duas direções: uma dos EUA, com suas medidas protecionistas e de desvalorização do dólar, e que está afetando em muito a competitividade desse nosso setor, a outra, é o papel agigantado da Indústria chinesa, cujo PIB industrial já superou o dos EUA, e que inunda o Brasil e a America Latina de bens de alto valor agregado, enquanto nós a abastecemos de commodities agrícolas e minerais, numa relação clara de concorrência desleal.

O governo Dilma ataca esses dois problemas, que já são muito, pois também temos que ter a cautela necessária para não nos tornamos uma ilha. Foi o protecionismo que mergulhou o mundo numa grande depressão na década de 1930. A via brasileira tem sido aquela inaugurada pelo presidente Lula, a da integração com os emergentes e, principalmente, a integração latino americana. Fiquemos atentos, pois o protecionismo elevado a certos patamares não nos interessa. A balança comercial nos tem sido muito favorável e podemos chegar a cerca de 30 bilhões de dólares em superávit comercial em 2011, bem acima da previsão do mercado e do próprio governo. Nos últimos 12 meses exportamos 235 bilhões de dólares, algo impensável há anos atrás.

Por último, é verdade que a taxa básica em 12,25% nos coloca com os mais elevados patamares de juros do mundo. Esse seria um nó cego que temos para desatar. Mas ninguém também nega que o governo, ao lançar mão da política de juros, tem tido alguma eficácia no controle da inflação. Para mim é uma situação semelhante ao papel do endividamento externo no governo JK, isto é, se o programa de governo está sendo cumprido, se a situação geral da economia e do povo vai melhorando, então, os juros elevados constituem o preço que temos que pagar para o atingirmos os nossos objetivos.

Para os EUA, por exemplo, existe uma situação pouco confortável com relação a essa política, isto é, estão de mãos atadas com relação a este instrumento, já que não podem elevar a taxa porque senão freia o crescimento, e tampouco podem abaixá-la, pois já está praticamente perto de zero. Ninguém também nega o pioneirismo de Dilma em usar outros instrumentos, como as medidas macroprudenciais de contenção do credito e do consumo, uma inovação desde a implantação do Plano Real e que teria a vantagem de ser uma alternativa á elevação da Selic. O resultado também é promissor, pois já existe uma expectativa de queda inflacionária para o próximo período e, consequentemente, dos juros.

Tudo isso aponta para um diagnostico amplamente favorável destes primeiros sete meses do governo Dilma, realmente ela tem sido muito competente, audaciosa, inovadora e apontando para um avanço do legado do presidente Lula. Sim, o Brasil vai seguir em frente, com planejamento, crescimento sustentado, distribuição de renda, inflação controlada e a derrota da direita, acima de tudo.

Murilo Ferreira é engenheiro agrônomo e mestre em Economia Rural pela Universidade Federal de Lavras. É diretor do Sinpro e da CTB MInas

Publicado em 08-08-11 no Portal www.vermelho.org.br/mg

ou http://www.vermelho.org.br/mg/noticia.php?id_noticia=160754&id_secao=76